No dia 27 de setembro de 2016 o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) enviou um comunicado aos médicos, um “alerta ético” (homologado na 4743ª Sessão Plenária de 20 de setembro de 2016) sobre o uso de Whatsapp ou aplicativos similares na comunicação com os pacientes.

Partindo do princípio de que o “padrão-ouro” desse tipo de prestação de serviço é o ato médico presencial, com anamnese e exame físico; o aviso alertava aos médicos que:

“Quando for responder aos seus pacientes por WhatsApp ou aplicativos similares, façam-no desde que conheçam o seu quadro clínico atual com o intuito apenas de orientá-los, com observância ao Código de Ética Médica, particularmente com respeito ao sigilo profissional, não os expondo em grupos.”

Os parâmetros éticos previstos no Código de Ética Médica incluem atendimento presencial, elaboração de prontuários e preservação do sigilo profissional.

Por trás do comunicado do CRM, existe um tema muito mais amplo e que vem afetando a medicina desde que a informatização decorrente do avanço da tecnologia ampliou a possibilidade não só de prestação de serviços, mas de comunicação entre as pessoas.

Todas as áreas de atuação profissional, nos últimos vinte anos, sofreram radicais mudanças em sua estrutura de fornecimento de serviços. A área da saúde passou a contar com um considerável arsenal de novos tipos de exames não invasivos que, paralelamente ao exame clínico pessoal, ganhou importância no diagnóstico precoce e tratamento de vários males.

Esse arsenal tecnológico é fundamentalmente baseado na informação digital, que circula com facilidade e velocidade, permitindo o acesso por parte de pacientes e médicos a informações complexas e detalhadas, sem que haja necessidade de deslocamento físico.

Juntamente com o desenvolvimento tecnológico, a medicina passou a lidar com a elevação dos custos médico hospitalares, uma vez que esse arcabouço tecnológico da prática médica envolve grandes corporações que detêm a patentes desses métodos, encarecendo demasiadamente a medicina de ponta.

Paralelamente a isso, o acesso à comunicação digital por parte de médicos e pacientes, cria inegável facilidade de interação entre ambos, o que, ao contrário das demais tecnologias supracitadas, permitem reduzir os custos inerentes ao acompanhamento por parte do profissional médico e, além de tudo, que o médico possa atender um maior número de pacientes.

Essa nova dinâmica resultante da evolução tecnológica envolve não só as facilidades acima mencionadas, mas, ao mesmo tempo, amplia o potencial de falhas e consequentemente a responsabilidade pessoal por parte dos profissionais médicos.

Ao utilizar esses novos meios de comunicação para dinamizar o atendimento de seus pacientes, os médicos não deixam de ser responsáveis por eventual dano decorrente de falha na comunicação,através das novas tecnologias (ex vi redes sociais), responsabilidade esta, que não pode ser transferida ao paciente, mesmo com a formalização de documentos ou declarações que visem amenizar esse ônus do profissional médico.

Dois aspectos devem ser destacados como de risco para o profissional médico ao utilizar as redessociais para atender seus pacientes. O primeiro é a potencial quebra do sigilo profissional, diantedas vulnerabilidades inerentes à privacidade nessas tecnologias.

O sigilo constitui uma das mais tradicionais características da profissão médica, sendo um tipo de segredo profissional que garante a inviolabilidade da privacidade do paciente.

O médico é depositário das informações referentes ao paciente, somente podendo revelá-las em situações muito especificas como: dever legal, justa causa ou autorização expressa do paciente. Revelar o segredo sem a justa causa ou dever legal, causa dano por si ao paciente e além de ser um ato antiético, pode configurar crime, capitulado no artigo 154 do Código Penal Brasileiro.

O segundo aspecto a ser destacado diz respeito à necessidade de o profissional médico arquivar de forma específica, todas as comunicações efetuadas com seu paciente, guardando cópias em seus arquivos particulares, uma vez que integrantes do prontuário do paciente.

Note-se que atualmente ficou muito mais fácil o registro de toda a atividade do médico com seus pacientes; sendo certo que a nova legislação processual considera documento qualquer registro capaz de representar um fato, compreendendo não apenas os escritos, mas toda e qualquer “coisa” que transmita diretamente um registro físico a respeito de algum fato.

No que se refere aos prontuários, o Código de Ética Médica, em seus artigos 69 e 39, veda ao médico que deixe de elaborar prontuário para cada paciente e veda que o médico receite ou ateste de forma secreta ou ilegível, assim como assine em branco, folhas de receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros documentos médicos.

Apesar das vedações expressas, essas são as infrações éticas mais comumente cometidas por médicos, mesmo que amplamente conhecida a importância do prontuário como instrumento para o cuidado do paciente, para o próprio médico, para os demais profissionais de saúde e para as instituições que fornecem serviços médicos; no sentido de prestarem um atendimento seguro, eficiente e de qualidade, bem como no sentido de possuírem registros documentais de cadaatividade, permitindo eventuais defesas no âmbito de ações judiciais de responsabilização civil e penal destes profissionais e instituições de saúde.

Pode-se definir prontuário como um conjunto de documentos padronizados, ordenados e concisos, destinados ao registro de todas as informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos prestados ao paciente.

As anotações no prontuário ou ficha clínica devem ser feitas de forma legível, permitindo, inclusive, identificar os profissionais de saúde envolvidos no cuidado.

Tais anotações devem conter, ainda, assinatura e carimbo (ou assinatura, nome legível por extenso e número legível da inscrição no CRM) do médico. Destaque-se que os documentos gerados no pronto-socorro e no ambulatório deverão ser arquivados junto com o prontuário, em caso de internação hospitalar.

Diante de todo o exposto, é possível concluir, a título de orientação a todos os que atuam na área da saúde, que as conversas com pacientes em redes sociais não se tratam de meras informalidades, gerando direitos e obrigações aos profissionais da saúde.

Tais comunicações fazem parte da orientação, acompanhamento e tratamento do paciente como um todo, sendo essenciais, em última análise, para definir a existência de má-prática médica.

Assim, o alerta divulgado pelo CREMESP inicialmente citado, tem grande espectro de abrangência, envolvendo obrigações e responsabilidades de todos os envolvidos, porém, em especial do profissional médico, parte suscetível às crescentes demandas por parte dos pacientes.

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