A ANS publicou no último dia 07/12/2015 normas de regência dos contratos firmados entre planos de saúde e hospitais. Acontece que a norma já nasce em pleno descompasso com a realidade.
Pelo que se viu, a agência deu a entender que a regra geral será a livre negociação do contrato, com previsão de índices próprios, aplicando-se as normas da ANS de forma complementar, quando não houver previsão contratual de índices de reajuste ou quando eventual negociação não for bem sucedida.
Acontece que a realidade é bem diferente: a maioria dos contratos não possui nenhuma previsão de reajuste e negociações raramente são concluídas, pois a parte que tem proveito com as condições pactuadas costuma “enrolar” ao máximo, com a expectativa de frustrar qualquer acordo.
Os planos de saúde costumam agir dessa forma, diga-se a verdade, de modo que muitos contratos não são reajustados por muitos anos, como mostra a experiência em hospitais do interior, comumente pressionados pela falta de verbas, por populações carentes e pela enorme defasagem do custeio por parte do SUS.
Haverá quem queira contestar isso alegando que outras normas da ANS trazem já há muito tempo a obrigação de previsão de reajuste nos contratos. E isso é verdade, mas, na prática, ainda assim é pouco observado, mormente pela falta de amparo jurídico em boa parte dos hospitais.
Enfim, a aplicação dessas novas normas da ANS é que, na realidade, será regra geral, não a livre negociação. Mas o mais curioso são os critérios de atualização.
Para o reajuste, serão observados “Fatores de Qualidade”. Mas que fatores são esses? Ninguém sabe, pois a própria ANS não os criou, argumentando que ainda estão em discussão.
De qualquer modo, prevê-se que os estabelecimentos com certificação de qualidade receberão reajuste equivalente a 105% do IPCA. Os que não obtiverem essa certificação, mas cumprirem critérios estabelecidos em projetos da ANS receberão 100% do IPCA. Os que não atingirem nenhum critério, receberão reajuste equivalente a 85% do IPCA.
Repare no tamanho da bagunça: existe já a previsão de premiação ou penalização, por assim dizer, mas não se tem nem mesmo o que se precisa fazer ou deixar de fazer para conquistar tais posições…
Assim, um hospital que obtenha o melhor dos graus, receberá um aumento de no máximo 5%, pois o IPCA se presta apenas a atualizar o valor de acordo com a inflação, que já está corroendo consideravelmente o poder de compra, na casa dos dois dígitos.
Abaixo disso, o hospital nunca terá aumento efetivo, pois apenas se recomporá as perdas com inflação.
No último critério, que provavelmente abarcará a esmagadora maioria dos hospitais, especialmente os do interior, haverá uma perda de 15% ao ano em relação à própria inflação. Em dois anos, a perda atinge quase 1/3 do faturamento advindo dos planos de saúde.
E não para por aí: pretendem utilizar o mesmo critério para os profissionais da saúde a partir de 2017. Preparem-se, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros etc.!
No mais, é evidente que a questão da qualidade deve ser levada em conta para a distribuição de reajustes, como forma de estímulo ao próprio mercado. Mas é razoável que se tenha um aumento real de apenas 5% àqueles que atenderem as normas que, repita-se, nem se sabe quais serão, enquanto que aqueles que não as atenderem terão perdas de 15% em relação à inflação do período?
Em muitos municípios ou regiões existe apenas um ou, talvez, dois hospitais, sempre menos sofisticados do que aqueles dos grandes centros. Essa norma tenderá a ajudar na manutenção do serviço?
Nesses casos, reconheça-se, às vezes o hospital poderia vir a ter um poder de barganha maior diante do plano de saúde, por inexistir concorrência local. A norma da ANS prejudicará ainda mais esses hospitais.
E se houver conflito sobre o atendimento ou não dos critérios que perfazem os “Fatores de Qualidade”? O hospital que estiver recebendo menos será obrigado a manter o atendimento, mesmo recebendo menos do que acredita merecer? Poderá ser rescindido o contrato?
A norma que aparentemente deveria solucionar litígios tornar-se-á mais uma fonte de litígios. Disputas judiciais a esse respeito são iminentes.
Enquanto isso, só se espera confusão na relação entre planos de saúde e hospitais, respingando, é claro, nos consumidores.